Desafiando a "Realidade" através dos Meios da Arte
Na minha arte, torno visíveis estas tensões e experiências. Quero desafiar o público e confrontar as suas crenças ensinadas, sobre as quais eles próprios ainda nem sequer refletiram. Tal como a minha realidade e imagem da mulher é bastante forte (empoderada), em vez das imagens indefesas e "pequenas" que somos treinados a perceber como femininas.
Brazil, South America
Story by Milton Camilo. Translated by Joana Fedato
Published on June 22, 2020.
This story is also available in
Eu sou um pintor e artista afro-brasileiro que vive na Alemanha. Com a minha arte, brinco e desafio as minhas experiências de ter crescido no Brasil e da vida na Alemanha durante os últimos 20 anos. Em particular, me concentro nos papéis de gênero: aquilo em que somos ensinados a acreditar, as realidades dos papéis de gênero e as suas discrepâncias.
Cresci num bairro da classe trabalhadora no Rio com a minha mãe solteira. A minha percepção pelas mulheres foi moldada e ensinada por ela. Vindo de uma família matriarcal, sempre aprendi com a presença das mulheres na minha vida. Sei do significado da mulher matriarcal negra no Brasil e seus rituais. Por exemplo, as mulheres da minha família me ensinaram a usar o que a natureza tem para oferecer à minha saúde. Quando não tínhamos muito para comer, nós recolhemos ervas. Só se pode fazer isso quando se sabe o que é comestível e o que é venenoso. Herdei este conhecimento das mulheres, não dos homens, e isso sempre teve uma forte influência sobre mim.
Sinto os benefícios desses ensinamentos matriarcais especialmente agora, nos tempos do coronavírus, em que me posso agarrar e acreditar no conhecimento que me tem sido transmitido através de gerações. A palavra empoderamento descreve o poder do conhecimento e as mulheres que o detêm. Na comunidade de mulheres negras com quem cresci, elas têm o poder para si próprias: elas têm empoderamento por inerência, desenvolvendo as suas próprias estratégias de sobrevivência ao longo de gerações.
A minha educação me deu uma imagem das mulheres como fortes, independentes e poderosas. Esta visão não é a frágil,pequena mulher branca que é o ideal de beleza, vista como contraparte de um homem forte. A minha arte também é influenciada pelas minhas próprias experiências com gênero e identidade. Comecei a dançar ballet aos 19 anos no Brasil, numa época e num lugar onde não era socialmente aceitável ser um menino que dançava. No meu bairro do Rio, fui imediatamente estigmatizado como sendo gay, embora eu diga que me apaixono por almas, independentemente do sexo.
Na minha arte, torno visíveis estas tensões e experiências. Quero desafiar o público e confrontar as suas crenças ensinadas, sobre as quais eles próprios ainda nem sequer refletiram. Por exemplo, na arte do século XIX, as mulheres são frequentemente pintadas como beldades nuas, deitadas em um sofá, quase como um sacrifício pelo olhar dos homens. Mas como disse antes, tenho uma imagem diferente das mulheres, ligo-as com empoderamento. Assim, comecei recentemente a pintar homens nus, como belezas frágeis, para inverter o conceito, e em algumas das minhas pinturas se pode ver o gênero retratado como um conceito mais fluido.
Portanto, os meus quadros podem ser entendidos também como declarações políticas, visíveis para um observador atento. Eles oferecem um espaço onde "a questão da identidade, da cultura, do tempo e espaço são negociados e desafiados constantemente, o que acontece através de uma pergunta aberta que nunca é totalmente respondida"[1] Espero que através da minha arte, as pessoas comecem a questionar, refletir e desconstruir os conceitos que parecem "normais" e percebam que a realidade de gênero não é tão binária como parece. Tal como a minha realidade e imagem da mulher é bastante forte (empoderada), em vez das imagens indefesas e "pequenas" que somos treinados a perceber como femininas.
Notas
[1] Veja mais no meu site: http://www.miltoncamilo.de/index.php
How does this story make you feel?
Follow-up
Do you have any questions after reading this story? Do you want to follow-up on what you've just read? Get in touch with our team to learn more! Send an email to [email protected].
Talk about this Story
Please enable cookies to view the comments powered by Disqus.
Subscribe to our Monthly Newsletter
Stay up to date with new stories on Correspondents of the World by subscribing to our monthly newsletter:
Other Stories in Português do Brasil
Explore other Topics
Get involved
At Correspondents of the World, we want to contribute to a better understanding of one another in a world that seems to get smaller by the day - but somehow neglects to bring people closer together as well. We think that one of the most frequent reasons for misunderstanding and unnecessarily heated debates is that we don't really understand how each of us is affected differently by global issues.
Our aim is to change that with every personal story we share.
Community Worldwide
Correspondents of the World is not just this website, but also a great community of people from all over the world. While face-to-face meetings are difficult at the moment, our Facebook Community Group is THE place to be to meet other people invested in Correspondents of the World. We are currently running a series of online-tea talks to get to know each other better.